o acidental filho do trala*

15 de maio de 2017

Serviço Público

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Não digo que não seja razoável e até mesmo útil as pessoas preocuparem-se com assuntos deste jaez: Que Europa vamos ter? Ressuscitamos a velha? Fabricamos uma nova? Dará para renegociar a nossa dívida? Saímos do Euro? Fechamos as lusas portas e elegemos outro ditador?

Tudo bem, pode ser importante discutir esses assuntos. mas mais importante, muito mais, é saber se o protector solar que nos sobrou do ano passado pode ainda servir este ano. Isto sim, é assunto de inegável utilidade pública. Uma resposta cabal a esta matéria guindar-se-ia aos píncaros da mais absoluta popularidade.

Ora bem, nesta conjuntura, e como tenho um espírito inegavelmente científico, embora sem nunca me afastar do pragmatismo que nos sustenta de pé, fui pesquisar o que se sabia sobre assunto tão premente. E encontrei. Alguém fez um teste a estes protectores velhos que, por serem velhos, se escrevem com "c". (É desolador! Há sempre alguém que já pensou e avançou nas soluções de problemas que só agora me afetam. Jamais tive o direito a uma primícia, fosse de que tipo fosse....)

Portanto, já sabe: se, no próximo verão quiser usar o resto do protector solar deste verão, não se esqueça de comprar um bom protetor solar para o protetor solar.
Serviço público é isto. Estou aqui estou a deitar búzios...

13 de maio de 2017

Sobe a minha admiração por Donald Trump

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Sobe um ponto, mas sobe. Subiu de zero para um, seja lá que escala estou a usar. Donald Trump veio dizer recentemente que o exercício físico faz mal à saúde. Totalmente de acordo. Nada que eu já não tivesse comprovado há anos, perante a chacota colectiva. Há anos que eu venho avisando que as vísceras não foram feitas pare serem abanadas. Nunca foi provado que a ausência de exercício físico nos engorde e muito menos que nos mate. O Fernando Mendes está vivo, já tinham reparado? E se ele sofresse de alguma doença não poderia ficar anos a fazer aquele programa televisivo sem sequer uma caganeira…

Mas Trump vai mais longe: “o desporto é uma perda de tempo”. É por isso que Donald está riquíssimo. Enquanto uns estavam a suar num ginásio, ele suava a vender charutos como muambeiro na Big Apple. O seu tio, o Patinhas, nunca andava mais que alguns metros a pé e poucos quilómetros de automóvel, apesar de a razão não ser do domínio da saúde mas da economia, visto que solas e pneus são caros.

Eu nunca entrei num ginásio a não ser para espreitar as miúdas a suar. E sempre considerei que mal empregado era aquele suor, caramba…

Acontece que as pessoas comem demais. Gastam balúrdios em comida, desequilibram a nossa frágil balança de pagamentos, engordam demais e voltam a gastar balúrdios para desengordar. Em vez do ginásio, sugiro uma enxada e uma horta: batatas, feijão da atrepa, tomates, cebolas pepinos e pimentos. Mistura-se tudo com água e vai a lume brando…

Donald ainda estabelece um inaudito símile entre o corpo humano e uma bateria de telelé. Trazem ambos um número limitado de carregamentos. Quanto mais puxares por eles mais depressa se finam.

A verdadeira sabedoria não está nos médicos. Está nas pessoas que conseguem enriquecer sem fazer barulho e virar presidentes sem chacoalhar a tripa. Ainda que a competência psíquica seja diminuta, como parece ser o caso…

18 de março de 2017

Agradeçamos aos governantes

 

cartoon-donkey-white-background-45548039A morte é inevitável, mas é uma coisa um bocado chata. Já a burrice, sendo também inevitável, é, de facto, muito mais divertida. A única maneira eficaz de enfrentar a morte é ser ou estar burro. Há, pois, que emburrecer, e o mais rápido possível, pois não sabemos o dia nem a hora. Ficar burro não é assim tão difícil. Para emburrecer, basta estar vivo. Pelo contrário, ser inteligente torna as coisas bem mais difíceis porque deus, que dá o frio igual à roupa, dá os problemas iguais à inteligência.
Os ainestaines resolvem equações do quinto grau a dezasseis incógnitas. Os burros contam fardos de palha, ou comem-nos mesmo sem os contar, e são felizes.
Os governos, constituídos por gente de quociente de inteligência uns furos acima dos burros, sabem muito bem disto. E ajudam-nos, a nós, os burros, a sair da vida sem custar tanto...
Como é que um tipo rico e inteligente enfrenta a morte? Com um grandessíssimo cagaço: esperneia, barafusta, chora, arrepela-se todo, finca pé. E como reage à morte um pobre burro com uma reforma de meio saco de alfarroba? Ele diz-lhe comiserado: "Ok, morte, se achas que é por aí, eu vou por aí. Isto aqui também já deu o que tinha a dar. E segue-a, alapardado."
Agradeçamos aos governantes, aos ricos, aos argutos, aos facínoras, aos corruptos, aos chicos-espertos, e a toda a sábia fauna que nos rodeia, a capacidade de nos manter burros e pobres, pois se um camelo passa no cu da agulha, mais depressa passa um burro...

12 de novembro de 2016

Este Blogue que vos Deixo (16)

Uma estação meteorológica

figueira_branca_1_1Está mais que sabido que, quando os americanos dizem que vai chover, chove!! (Não, não me refiro à eleição do presidente, que este blogue a tanto não se eleva, e sim à mera e prosaica condição atmosférica). E se dizem que vai fazer frio é porque vamos tremer o queixo e queixarmo-nos disso. Os serviços de meteorologia americanos guindaram-se a uma posição de credibilidade que rejeita dúvidas.

O mesmo não aconteceu por volta do ano de 1950, em Portugal, numa aldeia (a que, não sei por que preconceito estúpido, sempre recuso afirmar que é a minha) muito perto de Coimbra, em que dois dos seus habitantes resolveram criar um serviço meteorológico para os agricultores, na linha do verdadeiro borda d’água, mas para melhor.

Aquecidos por alguns marqueses que emborcaram no Sr. Henrique, traçaram logo ali a estratégia do serviço: havia uma velha figueira no quintal deste vosso amigo, suficientemente alta para lá instalar o observatório. Não foi ventilada outra alternativa. O Moisés Botico foi quem subiu. O outro, o Palhais, ficaria em baixo, a registar o que lhe era sugerido  lá de cima, através da observação sistemática dos sinais dos tempos. É assim que se organizam estes e muitos outros serviços: um vê e o outro trabalha.

“Tal dia dá chuva! Aponta Palhais”. E o Palhais pegava no lápis de carpinteiro (era a sua profissão), molhava-o na língua e escrevia então que dava xuba ou garniso, ou bentania, ou trabuada…

Uma figueira velha, um projecto ambicioso, três marqueses e um escorregão ditaram a sentença. Era o fim do Acompanhamento Meteorológica para os Agricultores  da Região da Gândara ( o AMARGA).  O  Moisés veio por aí abaixo aos solavancos, amparado aqui e ali pelos figos, até se deter cá em baixo sobre um montão de agulhas e demais folhas, destinadas à cama dos porcos e das vacas da quinta.

“Acho que a ideia da figueira para observatório não foi suficientemente amadurecida” – diz o Moisés, ainda torto…

(Para que vos escrevo estas coisas? – perguntam vocês. Ora, para vos dar notícia de quão empreendedora era a minha aldeia, muito antes da moda das estrangeiradas empreendedorices de agora… )

30 de outubro de 2016

um cão em construção

cachorro cestaTinham-no adestrado bem. Ensinaram-lhe a ir ao supermercado buscar compras. De cabaz na boca fazia aquele percurso havia anos, talvez décadas. No fundo do cabaz uma nota de banco e outra escrita pela dona em caligrafia tortuosa. Na volta, um cabaz cheio de coisas boas, babadíssimas… Foram anos de dever cumprido sem esmorecimento, sem uma tentação.

Ontem, pelas 11 horas da manhã, viram-no, como sempre, entrar no supermercado, a sua felpuda cauda alçada de alegria e depois sair, exactamente na mesma garbosa e heroica atitude. Porém, alguns rápidos passos decorridos, o admirável cachorro lobrigou algumas cadelinhas simpáticas que o cumprimentaram cheias de dengue, ternura  e charme. O velho cão largou então o cabaz sobre o passeio, convidou para o banquete três vira-latas que por ali passavam (e nunca tinham engolido uma refeição daquele requinte), foi, cheio de salamaleques, cumprimentar as donzelas e nunca mais ninguém o viu.

Ainda hoje ninguém sabe dizer ao certo, nem mesmo a polícia, se o admirável ancião fez aquilo por senilidade ou por rebeldia…

11 de setembro de 2016

este blogue que vos deixo

O primeiro jacto

jato… e, de repente, surge no anil do verão aquele risco branco. Os homens pararam a lavoura. Mulheres benzeram-se e caíram por terra. Crianças romperam numa gritaria de fim do mundo. O coroinha foi tocar o sino a rebate. 

Era o fim do mundo, de facto. Aquele traço azul, a dividir hemisférios, não era menos que o dedo paráclito a riscar a giz qual deveria ser o lado dos justos e qual o dos pecadores. Dali foram logo a casa do velho prior que, como todos os velhos priores, estava de palito na boca e cheiro a cebola e vinho.  Olhou também para o céu e lá estava ainda, agora esvaindo-se num fumo esbranquiçado, o traçado dessa nuvem longilínea tão inesperadamente presente, tão irritantemente inoportuna, cuja aparição não constava dos anais da módica sabedoria do padre nem dos registos do Pentateuco. O padre achou, de facto, melhor, fazer uma missa rápida, e entrou na capela, seguido por todos, sob as estridentes badaladas do sacristão.

- Cala-te aí um pouco, ó Zé, e desce daí para a palavra de Deus.

E foi ali, naquele arrastar de latim e de lamúrias, que todos prometeram ser pessoas melhores, deixar intacta a leira do vizinho, nunca mais cortar a água a ninguém e fazer uma peregrinação a Fátima, a pé, se aquilo não fosse o fim dos tempos e se o Criador lhes desse mais alguns anos de vida.

- Há-de dar, há-de dar – disse o farmacêutico que, entretanto, se aproximara a ver que coisa estranha se passava ali, aquela atabalhoada missa tão a desoras  – há-de dar, senhor prior, há-de dar, porque aquilo ali no céu é, apenas e só, um avião a jacto.

A palavra do farmacêutico, que soara culta e científica, era também agora providencialmente santa, já que proferida e ratificada por Deus, dentro da Sua própria casa. Essas palavras aquietaram de imediato,  todos os espíritos, cujos corpos, descontraídos e bem humorados agora, foram regressando às suas costumeiras actividades agrícolas.

- E o resto da missinha? Valha-me Deus, cos diabos! – reverberou pelos velhos caixotões do tecto a voz roufenha do abade…