o acidental filho do trala*

26 de julho de 2009

Aurea mediocritas

A criançada, em número de seis exemplares (alguns deles sendo claramente seus), encharcava-se na água alambre da swimming-pool de plástico de três metros. A sogra acabava de aurea medchegar dentro daquele seu inolvidável vestido às ramagens, apregoador de tantas primaveras passadas, e trazia um bolo de noz. A mulher soprava umas brasas para assar uns nacos de carne de promoção. Ele, sentado na cadeira de plástico branco, folheava a Dica da Semana e sorria sereno de alguma novidade política, inconfidência de estrela pop ou baixa de preços, sentindo no ar o cheiro certificado da família e das febras. Uma única preocupação enrugava, de quando em vez, as testas do casal: que algum dos respectivos amantes telefonasse agora, a estragar as alegrias da consoladora e reconfortante tarte de noz familiar…

(Imagem daqui)

25 de julho de 2009

Minudências minhas

poder O poder

Nunca o tive em minhas mãos, nem mesmo para saber de que cor ele é. Mas ouço falar dele desde, pelo menos, 1974. E, aparentemente, raras vezes estacionou ele nas mãos certas, ou, pelo menos, nas mãos menos erradas. O poder deve ser como o dinheiro (que também nunca tive): quem o tem quase nunca o merece, quem nunca o teve nem sequer sabe se é mau viver sem ele, nem se é bom viver com ele…

Nem pensem em um dia me dar poder, ainda que seja um poderzinho limitado, assim do tipo mandar numa ilhota como a do Alberto João. Pensam que eu me ficava por umas alarvidades contra a república, o estado, o governo, o ministério? Nada disso. Eu afundava mesmo. Destituía dos seus lugares todos os políticos, administradores, chefes, directores, capatazes, para colocar lá os meus amigos e as suas esposas (pelo menos as menos feias e as que cozinham bem e que alguma vez me tivessem convidado para almoçar, jantar ou outra).

Isso não seria um governo decente? Claro que não seria, seria apenas mais um governo para cumprir a tradição.

(Isto é mesmo a silly season)

(Imagem daqui)

10 de julho de 2009

O Ti’ Asdrúbal

blog O Ti’ Asdrúbal tem 85 anos. É um lenitivo para todos, porque nos empossa da esperança de que se pode chegar à sua idade com o seu vigor e a sua sanidade mental. A semana passada, ajudei-o a instalar o seu acer novinho de 400 euros. Liguei-o à rede global por meio de um serviço adsl que eu próprio decidi pagar-lhe. Melómano, ouve cotonetes clássicas. Devora toda a blogosfera nacional (até este blogue ele lê, imagine) e passa horas a analisar as notícias e os comentários dos jornais online. Hoje pediu-me que lhe ensinasse a criar um blogue. Diz que tem coisas para contar. Não perdi tempo. Cada minuto de demora é uma perda irreparável para o mundo…

(Imagem daqui)

9 de julho de 2009

Estudos

estudo Um estudo é um conjunto de pesquisas cientificamente orientadas que produzem um determinado número de dados que são depois criteriosamente tratados (por isso se chama um estudo) de acordo com metodologias direccionadas para a obtenção de uma determinada verdade que toda a gente já sabia, muito antes de o estudo ser encetado. A grande vantagem de um estudo está, sobretudo, no facto de nos revelar, de um modo científico, exactamente aquilo que já todos sabíamos de um modo empírico, mas que já havíamos esquecido completamente, devido ao tempo que o estudo normalmente demora para concluir coisas. Daí resulta que um determinado facto é conhecido porque nós o vivenciámos. Seguidamente, esquecemos o facto porque tudo o que está sabido a gente esquece e pronto. Aí, alguém resolve fazer um estudo sobre esse facto, para que possamos concluir que já todos o conheciam abundantemente demais. (O estudo só tem serventia para relembrarmos o que já soubemos e decidíramos, por bem, esquecer.)

O exemplo mais sintomático desta imprestabilidade dos estudos é esse recentíssimo estudo (saiu hoje mesmo das cabeças pensadoras) dirigido por um qualquer especialista na área das ciências ocultas da educação (que Deus nos defenda das Ciências da Educação) segundo o qual se conclui, entre outras fulgurantes concludências, que a divisão dos professores em duas classes (a dos titulados e a dos destituídos) semeou a desordem e o caos no jardim do sistema educativo (poxa, isso é que é novidade!). Conclui também o estudo da eminência que esta divisão é artificial e que os titulados foram simplesmente recrutados ao acaso.

(Meu Deus! Porque é que eu não soube disso antes? O que a gente pode aprender graças aos estudos não está escrito em estudo nenhum…)

(Imagem daqui)

3 de julho de 2009

Afinal, Bernardino, em que ficamos?

bernardino Fazendo jus ao seu subtítulo, o Tralapraki parece ser o único medium que está contra a detonação de Manuel Pinho. Não faz nenhum sentido destituir um ministro pelo facto de ele ter chamado cornudo, ainda para mais em código, ao líder do grupo parlamentar do PC, Bernardino Soares. Toda a imprensa e toda a comandita oposicionista viram nisto um crime de lesa pátria ou de lesa magestade. Em vez de se ter escandalizado tanto, a Imprensa deveria, tão simplesmente, interrogar o ofendido, mais ou menos nestes termos: “Senhor Bernardino, o senhor é realmente cornudo, ou trata-se de mais uma mistificação do senhor Manuel?”  Esta simples Yes/No question aquietaria qualquer ânimo, qualquer que fosse a resposta: “Sim, sou, mas o ministro tem olhos de raia e não vê a mulher vai para três meses” ou “Não, não sou! E se ele quisesse realmente saber onde está a mulher, perguntava-me a mim”.

manuelpinho E é tudo. Encerrava-se aqui o incidente. O ministro ficaria mais uns tempos a fazer rir os portugueses (que é disso que eles precisam), os trabalhos parlamentares seguiriam o seu rumo sem belisco e as (des)honras de todos os parlamentaralhos sairiam intocadas.

Não deixa de ser, no entanto, um pouco ousada (embora, em meu entender, não tanto como outras já conhecidas) a atitude que Manuel Pinho protagonizou. Trata-se de uma “investida” (com toda a propriedade) no campo íntimo de um deputado da nação. Qualquer dia, qualquer membro de um qualquer governo se pode dar ao escândalo de sustentar publicamente que o deputado X usa cuecas de Lycra, o Y adormece agarradinho ao Teddy Bear e o Z ouve os ABBA no carro com os vidros abertos. Isto sim, seria a desmoralização total do parlamento e do país…

(Imagens daqui e daqui)