Tinham-no adestrado bem. Ensinaram-lhe a ir ao supermercado buscar compras. De cabaz na boca fazia aquele percurso havia anos, talvez décadas. No fundo do cabaz uma nota de banco e outra escrita pela dona em caligrafia tortuosa. Na volta, um cabaz cheio de coisas boas, babadíssimas… Foram anos de dever cumprido sem esmorecimento, sem uma tentação.
Ontem, pelas 11 horas da manhã, viram-no, como sempre, entrar no supermercado, a sua felpuda cauda alçada de alegria e depois sair, exactamente na mesma garbosa e heroica atitude. Porém, alguns rápidos passos decorridos, o admirável cachorro lobrigou algumas cadelinhas simpáticas que o cumprimentaram cheias de dengue, ternura e charme. O velho cão largou então o cabaz sobre o passeio, convidou para o banquete três vira-latas que por ali passavam (e nunca tinham engolido uma refeição daquele requinte), foi, cheio de salamaleques, cumprimentar as donzelas e nunca mais ninguém o viu.
Ainda hoje ninguém sabe dizer ao certo, nem mesmo a polícia, se o admirável ancião fez aquilo por senilidade ou por rebeldia…