o acidental filho do trala*

28 de novembro de 2010

coisas giras por email

“Camões, grande Camões, quão semelhante…”    (Bocage e eu)

camoes           As sarnas de barões todos inchados
           Eleitos pela plebe lusitana
           Que agora se encontram instalados
           Fazendo aquilo que lhes dá na gana
           Nos seus poleiros bem engalanados,
           Mais do que permite a decência humana,
           Olvidam-se de quanto proclamaram
           Em campanhas com que nos enganaram!
          
           E também as jogadas habilidosas
           Daqueles tais que foram dilatando
           Contas bancárias ignominiosas,
           Do Minho ao Algarve tudo devastando,
           Guardam para si as coisas valiosas…
           Desprezam quem de fome vai chorando!
           Gritando levarei, se tiver arte,
           Esta falta de vergonha a toda a parte!
          
           Falem da crise grega todo o ano!
           E das aflições que à Europa deram;
           Calem-se aqueles que por engano…
           Votaram no refugo que elegeram!
           Que a mim mete-me nojo o peito ufano
           De crápulas que só enriqueceram
           Com a prática de trafulhice tanta
           Que andarem à solta só me espanta.
          
           E vós, ninfas do Coura onde eu nado
           Por quem sempre senti carinho ardente
           Não me deixeis agora abandonado
           E concedei engenho à minha mente,
           De modo a que possa, convosco ao lado,
           Desmascarar de forma eloquente
           Aqueles que já têm no seu gene
           A besta horrível do poder perene!

Enviado por Rogério Cunha 

Autor não identificado      

(Imagem daqui)

20 de novembro de 2010

Embarco ou não?

rumosEstou farto de ouvir dizer que Portugal devia ter um rumo. Ora, eu acho que o melhor para Portugal não é ter um rumo, mas vários, para o caso de alguns falharem. Cavaco Silva (o que quer menos palavras) tem um rumo; Manuel Alegre (o que até preposições sabe usar, imaginem) diz ter um rumo. O outro candidato, de cujo nome não me lembro (mas isso não admira nada, porque na verdade ninguém se lembra), também propõe um rumo, apesar de ter a palavra fanhosa e usar óculos. Há ainda um outro candidato que nunca vi mas desconfio que existe e que também tem um rumo para Portugal.

Ora, partindo do são princípio de que cada um deles terá o seu rumo próprio e que não se enfiam todos no mesmo, temos quatro rumos, quatro palavrosos/lacónicos rumos para Portugal.

Proponho que sejam eleitos os quatro candidatos e que governem o país ao mesmo tempo, munidos de rumos naturalmente divergentes. Assim, os portugueses poderiam, depois de espreitar os quatro destinos, tentar perceber qual deles é o de férias. E embarcar nesse.

(Imagem daqui)

23 de outubro de 2010

mais gramática

jpgomes 

-“Eu fui um dos que me ri mais!”  José Pedro Gomes, hoje no “Hotel Babilónia

Oh Zé, isso nem parece teu, miúdo. Tu és certamente o melhor actor da cena portuguesa. “Eu fui um dos que se riram mais”. Assim é que é, Zé. (Desculpa, mas o Ligeiríssimo é um serviço público e ainda não desistiu da questão das concordâncias.)

(Imagem daqui)

22 de outubro de 2010

homem feio e pobre pode ter razão?

medo - Um tipo feio e pobre pode ter razão no que diz?

- Se tudo estiver no seu lugar, se tudo for normal e consuetudinário, se as idiossincrasias estiverem todas pacificadas e não houver revoluções, nem motins, nem cataclismos, nem escuridões imprevistas, nem inopinados gelos tropicais, nem reviravoltas repentinas, não.

E não adianta esconder-se, falar só na rádio ou escrever nos jornais por detrás de uma foto falsamente sedutora.

A consideração que se possa ter por alguém vem infalivelmente acompanhada da beleza física, seja lá o que ela possa ser e por que campos ela se espraie. Um tipo feio e pobre não tem direito à opinião, a uma hipótese de liderança ou a qualquer fatia de sucesso na sua malbaratada vida. As crianças fogem dele, as mulheres evitam-no discretamente e os homens usam-no como moço de recados, escravo contemporâneo ou bala de canhão. Ser feio e pobre em simultâneo é a treva!

(imagem daqui)

17 de outubro de 2010

obsessões do meu ipod (21)

juan manuel serrat Juan Manuel Serrat

Pueblo Blanco – no álbum Mediterráneo, de 1994 -

Si yo pudiera unirme
A un vuelo de palomas,
Y atravesando lomas
Dejar mi pueblo atrás,
Juro por lo que fui
Que me iría de aquí,
Pero los muertos están en cautiverio
Y no nos dejan salir del cementerio.



(Imagem daqui)

10 de outubro de 2010

What happened to my Cauny?

cauny

Não conheço nenhum rapazola da minha idade que não tenha ganhado um Cauny Prima quando fez o exame da quarta. (Tive até a impressão durante muito tempo de que todos os Caunys se destinavam a prendas para a canalha que fazia a quarta classe com distinção, já que nunca via esses relógios no pulso dos adultos).  Eu, claro, também tive um. Corria o Natal de 1960 quando o desembrulhei tremente (eu e não o relógio) de dentro de uma caixa absolutamente mítica. Lembro-me que o passeei pelo café do Senhor Henrique, arregaçando a manga do casaquito de malha Sydney (também prenda de Natal), na esperança de que alguma grande paixão, que por ali jogasse à calha, se deslumbrasse com a cintilação do meu novo e fascinante pulso. Não aconteceu! Mas consolei-me com o sensato pensamento de que um relógio serve tão somente para mostrar as horas e não para as tornar voluptuosas e aprazíveis. (Pensei exactamente isto, embora as palavras só me viessem muito mais tarde…)

(Imagem daqui)

8 de outubro de 2010

Farmville

12_angelina_jolie_3045 Farmville:  João precisa desesperadamente de uma caixa de parafusos, uma cerca nova e uma gaja boa.

5 de outubro de 2010

cem anos de peito ilustre lusitano

mamas

republica (“… que eu nunca vi pátria assim   pequena e com tantos peitos” - Carlos T.)

A mulher  de seios desnudos que os republicanos escolheram para seu emblema representa o seu (deles) mais empolgante ideal, o seu mais apetecível conceito estético e também a sua mais profunda preocupação com a saúde em Portugal. Oferecendo ao povo a visão permanente de uma imagem tão patriótica quanto lasciva, os republicanos benfazejos estavam no fundo a escrever a mais apelativa receita médica contra o enfarto masculino. Viva a república, a ilustre mama lusitana e a saúde cardiovascular…

(Imagens daqui e daqui)

4 de outubro de 2010

3 de outubro de 2010

Qual ameaça, Ana?

socrates 
PedroPassosCoelho

(Agora mesmo, na Sic Notícias)

Ana Drago disse que o Primeiro-ministro “ameaçou demitir-se se não houvesse condições para fazer aprovar o orçamento”. Ana Drago enganou-se no verbo. É óbvio que não se tratou de uma ameaça, mas de uma risonha e reconfortante promessa que hoje mesmo soubemos que ficaria também incumprida.

Nenhum líder do centrão jamais ameaça demitir-se, Ana. O que eles fazem quando anunciam ao povo que se demitirão não é uma ameaça. É apenas mais uma tentativa de lhes restituir um esperançoso regresso da felicidade perdida, promessa que logo se esvai mal dormem uma noite sobre ela. Alegria do povo dura um soninho de ministro… Nada mau! Já durou muito menos…

(Imagens daqui e daqui)

29 de julho de 2010

gebo dois

fiilosofo matarruano










Lembram-se do boneco do filósofo matarruano de Ricardo Pereira, o que chegava a ter dois pensamentos por mês? Pois o labrego que ora vos fala é filósofo muito maior que aquele. Só hoje, imaginem, só hoje e em menos de duas horas, tive dois pensamentos dois e uma pergunta existencial. Começo pela pergunta existencial: Quem disse que há alguém responsável pela Praia de Mira? 

Agora os pensamentos: 1º pensamento - Faltam-me dois meses para ser sexy genário. O aspecto vai coincidindo. Mas descobri que não é a careca ou a barriga que denuncia tão ferozmente a nossa idade. É o pescoço. Veste uma camisola de gola alta e tens logo menos 20 ou 30 anos. Vivam as camisolas de gola alta; 2º pensamento - Cinco euros podem comprar cinco segundos de exultação, uma espreitadela furtiva do paraíso pela frincha da porta que alguém esqueceu entreaberta. Fui almoçar na praia e paguei a conta de 15 euros com uma nota de 20. Como o vinho tinha sido bom e a garota que me atendeu foi prestativa e atenciosa, deixei-lhe os cinco euros de gorjeta. “Muito obrigada. O senhor é muito simpático. Tive muito prazer em o servir. Volte sempre.” – disse ela. Setenta caracteres de felicidade suprema – digo eu.                                       

 (Imagem daqui)

22 de julho de 2010

O Verão é um tempo propício à reflexão…

OLYMPUS DIGITAL CAMERA

… disse hoje o nosso Presidente. É por essas e por outras que eu nunca poderia ser presidente da república. E sabem sobre que é que ele vai reflectir? Vai reflectir no sentido de decidir se se vai ou não recandidatar à Presidência. Admitindo que tal decisão é, de facto, uma decisão grave e difícil, não me custa imaginar que Sua Exª passe todos os vinte e três dias úteis das suas férias a pensar, a reflectir. E este mar? E Este céu? E estes 30 graus? O que se faz quando a natureza nos brinda com estes milagres? Reflecte-se sobre ser ou não ser Presidente?! Ah não!

E tem mais, coitado! Suponhamos que ele decida recandidatar-se! E, pior ainda: suponhamos que ele volta a ganhar as eleições, coitado! Já que ele acha que o Verão é tempo de reflexão, sendo assim um Presidente tão reflexivo, vai perder, inapelavelmente, mais quatro ou cinco Verões de sol, finos, praia, mergulhos e bikínis. Coitado!

(Imagem daqui)

17 de julho de 2010

Claudino Mendes

barraco Claudino Mendes, antigo combatente da primeira guerra, vivia, nos alvores dos anos sessenta, num pardieiro em ruínas que fora em tempos cortelha de galinhas, nos limites da povoação chamada do Cabeço. Conheci-o. Tanto quanto mo permite agora a memória das coisas que se guardam na infância, assemelhava-se a um daqueles profetas do Antigo Testamento que povoavam a minha Bíblia das Escolas – longas barbelas hirsutas, gabão de surrubeco corroído, olhava-nos garboso do alto dos seus quase dois metros e dos pergaminhos ilustres do posto de cabo de infantaria que honrou na Flandres. Cláudio Mendes era o tolinho do Cabeço. Intrigados com tal personagem, costumávamos espiá-lo dentro do seu galinheiro, aconchegado no gabão, pés de fora do cancelo aproveitando os ténues raios de sol das tardes de inverno.

Maria das Dores surgiu, afogueada, do quintal vizinho, transportando na mão um grande saco de abrunhos amarelos.

- Oh Ti Claudino, arranje-me aí um pratinho que eu deixo-lhe uns poucos destes abrunhos.

Claudino Mendes olhou para dentro do barraco e chamou:

- Copeiro, traz uma salva da cristaleira para guardar os abrunhos da Senhora Maria das Dores!

(Imagem daqui)

16 de julho de 2010

Gramaticarei-lho…

gramatica A fim de fazer face à presente crise, resolvi vender um velho cordão de ouro que minha mãe me deixou. Providencialmente, surgiu hoje na televisão um anúncio em que um sujeito, com uma cara de parvo simpática, anuncia que avalia e compra velhas peças de ouro. Apurei a orelha, mas logo desisti. Nunca faria negócio com um tipo que diz “enviaremos-lhe”.

(Imagem daqui)

10 de julho de 2010

Teodiceia de betesga

deus Deus, quando criou o Homem, não lhe devotou cuidados especiais em relação aos que teve com as restantes bestas. Muito pelo contrário. Desde logo deu ao homem uma vida que pouco ultrapassava em anos a de um burro ou um macaco. Em matéria de longevidade, Deus foi mais generoso com as baleias (os cetáceos, e não as nossas insuportáveis amantíssimas esposas), às quais (as do mar) atribuiu uma vida incomparavelmente mais longa e menos estúpida burocrática. Foi devido à sua mania das grandezas, e ao seu poder reivindicativo, que o homem conseguiu, ao fim de uma

interminável luta sindical, ter direito a uma vidita um pouco mais longa - 70 anos para ele e um pouco mais para a baleia lá de casa.

Não foi, no entanto, só na questão da longevidade que Deus falhou. Os órgãos! Os órgãos do homem são todos um escândalo, completamente destituídos de compatibilidade com as necessidades da sua vida. O fígado dói às segundas-feiras, a cabeça dói no fim do mês, as pernas doem no fim do dia, o

cotovelo dói quando o nosso colega foi promovido e nós não fomos. E o sangue? Que raio de mistura idiota estranha pôs Ele a correr nas nossas veias? Poderia ter colocado cerveja ou vinho ou outro líquido mais consentâneo com o que costumamos beber. Mas não. Encheu-nos as veias de sumo de vampiro, pois só vampiro é que gosta de tal mixórdia fluido. O único ser humano que Ele fez que tinha vinho nas veias foi Cristo. Claro, mas esse aí é Divino, Santo, Eterno, e está sentadinho à Sua direita - uma honrosa mas injustíssima excepção. Não se faz!

(Imagem daqui)

9 de julho de 2010

obsessões do meu ipod (16)

1969. Chico estava quase no início da sua carreira. Criou Essa Moça Tá Diferente três anos depois d’A Banda que o catapultou definitivamente para o reconhecimento mundial. Estava então com 25 anos, prestes a exilar-se em Itália, por não simpatizar com a ditadura militar. Essa Moça Tá Diferente é uma das primeiras canções do Chico em que se mistura já a intensa crítica social com a mais conseguida  componente lírica, tudo servido por uma estrutura linguística, poética e rítmica, de inegável riqueza.

(Desligue o rádio do blogue e veja e ouça com atenção.)

Essa moça tá diferente
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás
Essa moça tá decidida
A se supermodernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar
Eu cultivo rosas e rimas
Achando que é muito bom
Ela me olha de cima
E vai desinventar o som
Faço-lhe um concerto de flauta
E não lhe desperto emoção
Ela quer ver o astronauta
Descer na televisão
Mas o tempo vai

Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Que ela só me guarda despeito
Que ela só me guarda desdém
Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Se do lado esquerdo do peito
No fundo, ela ainda me quer bem

Essa moça é a tal da janela
Que eu me cansei de cantar
E agora está só na dela
Botando só pra quebrar

8 de julho de 2010

rufen Sie uns an

Mozart, Victorino de Almeida, Otelo, Herman e Maria de Medeiros, talentos que chamam Toy (António Manuel neves Ferrão) para a sua (deles) companhia. Desconhecia em Toy este talento. E vocês?

Curso de iniciação ao Latim

latim Gaudete in Domino  -  O Gaudêncio está no dominó.

Te deum laudamus  -  Te dei uma lambada

Gaudium et Spes  -  O Gaudêncio no Spa

Pules ad Margaritam  -  Salta para cima da Margarida

Fedro -  O Frederico

Esopo -  O ensopado

La Fontaine -  A Maria da Fonte

Agnus dei qui tollis peccata mundi -  Eu dei-te um anho porque és o tolo mais pacato do mundo.

Miserere nobis -  A Novis está uma miséria.

Habemus papam -  Chegou o padeiro

(Imagem daqui)

7 de julho de 2010

combater a crise…

700-377968 Estão-me a dizer que não vislumbram outra solução. Vamos todos, definitivamente, ter que cortar a televisão, o telefone, a Internet (juntamente com o facebook e o farmville e as correntes de solidariedade e aquelas incontornavelmente ubíquas apresentações de powerpoint cheias de decrépitas fábulas moralizantes). Vamos ter que viver sem o 3D (e o 4D e o 5D, que já devem estar na forja). Vamos vender os telemóveis e os ipads e os pdas e pdes e pdis e restante fauna cibernética. Vamos afastar-nos decididamente do automóvel que nunca mais conseguimos pagar e dentro do qual teimamos permanecer. Vamos pregar o calote nas companhias de gás, água e electricidade, dizer adeus ao duche diário e aos motores que regam o nosso jardim, dispensar a cozinha e passar a comer figos e erva crua. Vamos fechar as nossas depauperadas mas persistentes contas bancárias e despedir por justa causa os nossos imprestáveis e obsoletos gestores de conta. Vamos recuperar os nossos sapatos do casamento, os fatinhos da comunhão e as gravatas dos nossos divórcios. Vamos vestir de novo a velha roupa que tínhamos empilhado para seguir para Angola. Vamos ficar surdos à importação, cegos às novidades e mudos à situação politico-económica. Vamos fechar a porta a todos os cobradores e abrir a janela ao ar puro, produto raro mas insuspeitamente grátis.

(Combater a crise! Que delícia! Que libertação! Que felicidade!)

(Imagem daqui)

29 de junho de 2010

Não resolvo crises, nem sequer as entendo…

crise Uma das poucas certezas que irremediavelmente possuo sobre a actual crise capitalista é a de que houve e há uma intenção em tudo isto. Ninguém conseguiria fazer tanto mal em um sistema, se isso se devesse apenas a circunstâncias de sorte ou azar. Terá, pois, certamente, havido um dedo (ou vários dedos) discando o número exacto que faria desmoronar as relações capital/trabalho de um jeito tão determinado e tão inconveniente para este último.

Se foi o capital que engendrou esta crise (condição de que parece não haver dúvidas), ele não a teria engendrado se ela lhe fosse manifestamente desfavorável, a menos que o capital seja de uma incompetência aflitiva, opção que também já há muito descartei.

Certamente me direis que tal crise também tem os seus side-effects desagradáveis para o capital. Admito isso perfeitamente. Por vezes é preciso provocar um vómito para que nos sintamos melhor depois.

E é assim que o capital vai passar a sentir-se em pouco tempo. Querem apostar?

Entretanto, já terão subjugado o trabalhador até à condição de quase escravatura.

(Imagem daqui)

13 de junho de 2010

Sem vuvuzela não dá, pá

vuvuzelas E foi então que o génio humano, num rasgo de… génio, é claro, inventou a vuvuzela. E eu que pensava que a humanidade já tinha descido tudo o que havia para descer. Enganei-me. A princípio julguei que a invenção fosse portuguesa. Não era. Mas podia muito bem ser. O português, quando fica apertado com qualquer coisa (uma crise, um azar, uma figadeira, um negócio falido, um jantar com a sogra, uma ida à escola para falar do puto, uma derrota no estádio), é capaz dos mais inusitados desarrincanços. A vuvuzela, tal como o Zé Cabra e tantos outros eficientes barulhogeradores da área do roque, parecia ser mais um sucesso estrondosamente imediato. E foi. O suficiente para se venderem alguns milhares que tiraram do aperto financeiro aquela família de esmerado bom gosto que resolveu comercializá-la entre nós.

Agora o outro lado, o lado dos jogadores e organizadores do evento desportivo mundial. Vejam lá, eles não gostaram da vuvuzela. Um bando de incultos, surdos que nem uma porta, sem um cêntimo de ouvido musical. Querem proibi-la. Dizem que impede a comunicação entre os jogadores no campo. Imaginem, um som tão mavioso…

E o golo? Que será do golo sem a vuvuzela? É como um filme sem banda sonora, que diacho… Como vou acordar quando a equipa das quinas marcar um golo? Não me importo de perder o desafio por causa do sono. Mas o golo (se algum houver) não queria perder. Isso não.

(Imagem daqui)

8 de maio de 2010

O sr deputado tomou posse…

gravador Quando aquele deputado do PS roubou os dois gravadores ao jornalista, alguém se referiu ao acto como uma tomada de posse: “ele tomou posse de dois gravadores”. A curiosa expressão estava, no meu inconsciente, ligada a uma cerimónia mais ou menos protocolar e honorífica em que governantes ou presidentes se apresentam ao país, assumindo que o vão governar a partir desse (por vezes hilariante) momento. Está tudo explicado. É bem possível, pois, que, a partir desse momento, também os governantes metam as mãos nos nossos bolsos… para nos roubar os gravadores, é claro…

Eles tomam posse, está visto…

(Imagem daqui)

11 de abril de 2010

vencer a crise

carteira Há 15 anos que não sou promovido. Primeiro, achei que tinha sido objecto de esquecimento. Depois, e de acordo com o Princípio de Peter, verifiquei que, de facto, tinha atingido o meu nível de incompetência.

Há, no entanto, outros como eu. E, curiosamente, considero esses bastante competentes no seu trabalho. Deve, no entanto, haver algum quid pro quo que lhes impede a progressão, como um cadáver no armário ou um escândalo sexual na adolescência, sei lá… A perplexidade do comparativo do eu com os outros é mais perplexa do que eu, quando me perplexizo. Na verdade, nunca soubemos por que razão os outros são piores ou melhores do que nós. Agora não sabemos também por que razões alguns são iguais a nós…

Já que a receita se manterá inalterável sine die, a solução da minha crise vai ter que se fazer do lado da despesa. Assim, já cortei quase tudo, excepto a água, o gás, a electricidade e a net. Mas também está por dias. Para começar, deixei de pagar o telefone. Toca todos os dias. Uma voz simpática de mulher aconselha-me a pagar a factura atrasada. Desligo. Não tenho grande respeito por vozes de máquinas.

Um dia desses vou ter que perguntar aos meus amigos perenemente despromovidos como fazem eles para chegar airosamente ao fim do mês.

(É que, comigo, chegar airosamente ao fim do mês é uma interrupção meteórica na minha ordinária pelintrice que não augura nada de bom…)

(Imagem daqui)

19 de fevereiro de 2010

Minudências minhas

euros O dinheiro

Eu e o dinheiro temos uma relação platónica: amo-o muito mas nunca lhe toquei. Somos, apesar de tudo, fiéis um ao outro, tanto quanto o permite esse ascetismo que nos envolve: ele anda por outras mãos, pensando em mim, no que eu lhe faria se um dia o tivesse… Por meu lado, nunca lhe imaginei um substituto mais vantajoso.

Como acontece com todos os amores platónicos que um dia deixam de o ser, acredito que, uma vez tendo-o, perderia por ele o apetite. Os que o têm todos os dias vejo-os eu inconformados e ansiosos, insatisfeitos de corpo e alma, tentando sempre conquistar outro e outro e outro. Tarefa inglória, repetitiva, monocórdica, anorgástica…

Mas eu não. Eu divinizo-o, como divinizo o tempo, as hóstias e as próprias deidades. Sublimo-o. Adoro-lhe de longe as transcendentes moradas (CGD, BPN, BES, e outras catedrais) e mordo o lencinho de donzela recatada…

Tem vezes que babo…

(Imagem daqui)

17 de fevereiro de 2010

sobre esta nossa coisa íntima…

… de querermos sempre manipular a opinião dos outros

barbatana A tentativa recorrente de tentarmos virar a opinião pública a nosso favor é mais velha que o mundo. Mesmo nós, que do poder só temos a barbatana, gostamos quando alguém diz bem do que fizemos ou enaltece as nossas posições e argumentos. Amigo meu chama-me inteligente e talentoso e di-lo aos outros completamente à borla. Essa história de que os amigos são quem nos fala a verdade é pura léria. Para que quero um verdadeiro amigo que olha de lado para o que faço, que está sempre pronto a aporrinhar-me com moralismos, que só sabe é chamar-me a atenção para as minhas burrices e infracções? Quero é amigos que me lisonjeiem, que acenem cordatos e respeitosos quando falo, que riam alvares das minhas piadas tontas. Quero lá saber do que eles pensam lá por dentro! O que me interessa realmente é que todos acreditem que eles são sinceros, ainda que nunca o tenham sido, nem façam planos para o ser.

E só tento agarrar-me à barbatana do poder… a caudal…

(Imagem daqui)

6 de fevereiro de 2010

obsessões do meu ipod (5)

chico_buarque

O samba em Chico Buarque – “Ela faz cinema”.

(Desligue o rádio do blogue à direita e ouça, clicando no play acima.)

Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama
Quando me encara e desata os cabelos
Não sei se ela está mesmo aqui
Quando se joga na minha cama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é a tal
Sei que ela pode ser mil
Mas não existe outra igual
Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim

E a cada vez que o perdão
Me clama

Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é demais
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz
Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que Deus ela jura
Que tem coração
e quando o meu coração
Se inflama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim.

(Imagem daqui)

Nota: Nesta rubrica. tenho vindo a publicar alguns ficheiros de audio. Assumo como legal esta actividade, mais por razões de natureza consuetudinária do que por verdadeiro conhecimento da lei de autores. Qualquer entidade que vislumbre um quadro de ilegalidade neste acto deverá fazer-me saber e a rubrica será de imediato cancelada.

31 de janeiro de 2010

ouvindo o pedro…

blogosfera Pedro Rolo Duarte, numa entrevista ao Biography Channel, aflora a questão de uma certa desorientação que diz notar na imprensa escrita em geral. Esta desorientação, esta perda de paradigma não é mais que uma pssageira crise de crescimento, digo eu. A blogosfera que, no dizer do jornalista, representa um pouco do que ele gostaria que fosse a imprensa, não a substitui nem se lhe assemelha, volto a dizer eu. De jornalismo nada sei, como nada sei de um sem número de outras coisas, incluindo a própria blogosfera, sobre a qual escrevi, sobre a qual me empolguei um dia, prescrevendo-lhe normativos e augurando-lhe  um lugar de destaque na tribuna mundial da opinião e da irreverência polemizada. E ela é hoje tudo isso. Mas o seu problema consiste em não ser mais do que isso. Ser uma tribuna de opinião política e sociológica, um speaker’s corner das oposições, um muro de lamentações da crise económica, é muito pouco para a blogosfera. Quereria que ela fosse também a expressão de um individualismo sério e autorizado, a manifestação de um estado de alma ecoante, de uma constante poética, de um esboço de novos rumos para a escrita criativa universal. Ecce blogosfera…

Pedro Rolo Duarte no Biography Channel

(Imagem daqui)

30 de janeiro de 2010

obsessões do meu ipod (4)

fausto papetti 

Fausto Papetti é, obviamente, uma pequena concessão que faço ao purismo jazzístico. Papetti não é, definitivamente, um homem do jazz, nem é definitivamente jazz a peça que vos mostro hoje. Porém, ela é encantatória na sua contenção e maturidade extremas. E muito pouco do que nos encanta pode ser totalmente alheio ao jazz. Digamos que se trata de música ligeira, no melhor easy-listening que se pode ter. Ah, pode até ser música do baile dos bombeiros, mas que nos traz uma arrepiante nostalgia, um lampejo da inocência perdida, lá isso traz…

(Imagem daqui)

prémios literários

livros … o meu amigo gameiro ganhou o prémio literário joão de miranda m., vencedor do prémio joão tordo de literatura, que ganhou o prémio josé saramago de literatura, vencedor do prémio nobel de literatura que ganhou o prémio bertha kinsky da literatura. O meu amigo santosilva é candidato ao prémio gameiro de literatura…

(Imagem daqui)

25 de janeiro de 2010

o meu médico…

medico O médico que me assiste é tecnológico, lacónico, portista, e metafórico. Numa das últimas visitas que temerosa e sistematicamente lhe faço desde Setembro passado, ele acariciou o teclado do seu novo gadget e disse:

“Vamos fazer outra citologia”.

“A coisa piorou, doutor? Pode falar claro.”

“Meu caro, ninguém vence este desafio. Estamos a jogar fora de casa e um empate já será uma vitória. O nosso objectivo é que haja prolongamento…”

Só quando cheguei a casa é que vi que, no dia seguinte, ia haver o Benfica-Porto para a Liga Sagres. Era então a este desafio que o meu médico se referia. E havia alguma razão para a sua derrotista previsão. Era a jornada 14 e o Benfica ganhou em casa por um a zero…

(Mas nada disso tem a ver com o meu caso clínico. Ou tem?!)

(Imagem daqui)

24 de janeiro de 2010

…sobre aquilo que quase não se vê e fica ali situado entre o umbiguismo e o provinciano…

recado Não me espanta haver em Portugal noventa por cento de pessoas sem habilitação superior. O que me espanta é o facto de tantas das restantes dez por cento terem conseguido obtê-la… É-me mais fácil saber que competências seria suposto ter para a conseguir do que quais as inépcias que poderiam obstrui-la. Muitas vezes me pergunto como é que alguns indivíduos pertencem àquele risonho e encantado grupo dos dez por cento, tal a abusiva riqueza de boçalidade e tacanhez que, sem nenhum dramatismo, vão evidenciando em todas as manhãs, tardes e noites das suas abovinadas vidinhas. Ah, mas é que pertencem mesmo, assim nos afiançam os seus ostentativos canudos.

É exactamente como dizia a Ti’Maria do X, nos áureos tempos da sua juvenil irrequietude, quando um doutorzito qualquer, todo metido a besta, a olhava de cima da burra: “Ah quantos vão a Coimbra, se burros vão, burros vêm…

20 de janeiro de 2010

ouvido aqui e ali

ouvido “Não, não acho nada bem. A minha mãe diz que uma pessoa que gosta de uma pessoa do mesmo sexo não deve casar logo com ela. Deve ir fazer uma longa viagem para espairecer e tentar achar uma pessoa do outro sexo.” 

Ana, 8 anos, hoje, num programa da Antena 1.

(Oba, quem será a mãe desta miúda?)

(Imagem daqui)

18 de janeiro de 2010

obsessões do meu ipod

Grande Circo Místico - Capa

O Grande Circo Místico” de Edu Lobo e Chico Buarque. Aqui, a “Ciranda da Bailarina”. (Desligue o rádio do blog e ouça o coro de crianças.)

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga,
tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem
um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente

Medo de vertigem
Quem não tem
           Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem
um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem,
todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Procurando bem
Todo mundo tem...

(Imagem daqui)

17 de janeiro de 2010

a palavra os outros

casamento1

Sobre a instituição do casamento, quer ela seja uma coisa de heteros ou de homos, ou de ambos, ou de nenhum, não me apraz dizer mais nada além do que já disse aqui, mas apetece-me mostrar o que Rui Zink diz aqui.

(Imagem daqui)

13 de janeiro de 2010

Haiti

haiti Não sei se a Terra sabe que há gente passeando sobre ela, gente encafuada em construções matreiras, antros de fragas, babelianas torres, cumprindo o seu tempo de serviço, satisfazendo imperiosos mas obscuros desígnios, gente contando dias como dúvidas, estremecida ao ritmo dos seus cataclismos. Assassina Terra, filiofágica, crua.

(Imagem daqui)

10 de janeiro de 2010

“Les hommes, l’amour, la fidelité”

maryse Ora aí está. Afinal de contas as facadas no matrimónio que tanto homem perpetra diariamente (noitariamente, de preferência) têm uma compulsiva razão biológica. O homem, coitado, não faz mais que sucumbir à sua inelutável condição de macho. Maryse Vaillant vai ainda um pouco mais longe: “Todo o homem fiel evidencia, necessariamente, um desajuste de carácter”. Pois claro, do tipo atraso moral, depravação ou mesmo psicopatia congénita. Como devem estar felizes (finalmente) quase todos os homens do meu sexo!…

(E eu que pensava que a senhora era só a dona de uma fábrica de esquentadores…)

(Imagem daqui)

8 de janeiro de 2010

obsessões do meu ipod

ray charles

“Nasci pobre e fiquei cego. Mas não me queixo. Pior que tudo seria se tivesse nascido preto…”  (a autobiografia minimal de Ray Charles)

Talento, voz, sensibilidade, humor fino e cáustico. Um pessimista bem resolvido, um optimista no seio do infortúnio. Vá lá, desliguem de novo o radio do blog. Cliquem no play para ouvir Somewhere over the rainbow.

(Imagem daqui)

… nesta hora difícil…

paneleiros Antes de mais, cumpre-me deixar aqui uma palavra de conforto e solidariedade, nesta hora negra, a todos os homens do outro sexo. Eu sei o que é ficar indefeso contra a instituição do matrimónio. Até agora, o estado velava pela vossa integridade física e mental, afastando liminarmente de vós qualquer hipótese de contrair matrimónio. Era, digamos assim, uma vacina eficaz contra a aquisição do estado civil de casado. A partir de hoje, todavia, vocês estão tão desamparados como qualquer um de nós. Eu sou heterossexual, extremamente vulnerável (fui infectado duas vezes pela moléstia do casamento), e sei bem os reveses que isso me tem causado na vida. Querem um conselho? Agora que já podem casar, esqueçam. Permaneçam solteiros.

(Imagem daqui)

2 de janeiro de 2010

puto chatinho, meu…

pai natal Nunca me tinha apercebido de como é difícil conversar com uma criança sobre os delírios natalícios.

O pai natal é que traz as prendas, sim, mas de onde, com que dinheiro, em que shopping as compra? E se é tão rico como dizem, por que não tem dinheiro para uma simples gillette? E por que desce pela chaminé? Será burro, labrego, maníaco-depressivo? Afinal o pai natal é um hacker ou um infoexcluído? E viaja de rena ou de vespa? Rena come o quê? E quem é que come as renas? Onde diabo se vendem asas de rena? E o menino Jesus não cresce nunca? Com aquela idade, e aquele tamanhinho de que lhe adianta estar nu? E a Nossa Senhora é minha e de quem mais? E por que resulta mais pedir em voz alta do que rezar em voz baixa? Ora, também não sabes nada, já vi tudo…

(Imagem daqui)